Por
Bárbaba Semerene
Desde
criança eu ouvia as pessoas dizerem que sou distraída. Vivia no meu mundinho
particular, das ideias, sem prestar muita atenção no espaço físico ao meu
redor. De fato, a cor da parede ou o material dos móveis nunca me chamaram
muito a atenção. Mas, na verdade, eu não era distraída, apenas focava meu olhar nos seres
humanos e gostava de elocubrar como devia ser estar na pele deles. Principalmente na dos mais velhos,
como que para imaginar o que me aguardava logo ali na esquina da vida.
Observava o meu pai organizando as
contas da casa, correndo para nos levar para a escola, para a aula de natação,
para o curso de inglês. Conversando na mesa do almoço sobre política enquanto
assistia ao jornal. Negociando com o gerente do banco a melhor aplicação para
organizar sua poupança para a compra de um carro e para nossos estudos no
exterior. Aquilo tudo me parecia tão árduo. Eu pensava: "como deve ser
difícil ser adulto, acumular tantas responsabilidades. Será que eu vou conseguir
me organizar assim, administrar tudo isso?". Uma vez até expressei este
raciocínio em voz alto para o meu pai. Ele sorriu e disse "a gente tem que
dar conta, aos poucos vamos acrescentando novos compromissos e nos habituamos a
eles".
As
expectativas foram quase todas preenchidas: vivi com intensidade e paixão a juventude, e hoje
profissional casada e com filho, continuo achando difícil organizar todos os
setores da vida. Talvez eu não tenha sido capaz de dar um novo olhar, no
presente, para o cenário que havia vislumbrado previamente.
Hoje eu estava no banheiro da minha
academia, onde tem muitas senhoras da terceira idade. Parei para observar seus
movimentos lentos trocando cada peça de roupa que vestia sua pele flácida.
Calcinha e sutiã beges. Penteavam cuidadosamente os cabelos grisalhos. Com a
calma de quem não tem mais filhos pequenos esperando para serem cuidados, nem
adolescentes que precisam ser vigiados. Com a calma de quem talvez não tenha
nem mais marido, nem uma casa movimentada para administrar. Com a calma de quem
não tem mais chefe para dar satisfação, nem trabalho para tocar. Calma.
Tive
sentimentos ambíguos em relação à próxima esquina por onde vou passar (na
melhor das hipóteses). Há algum tempo talvez eu sentisse medo ou pesar. Mas
ando tão exausta desta vida frenética, que já há alguns anos tenho aprendido a
desassociar estar sozinho e em paz de sentir-se solitário, e a distinguir calma
de tristeza. Talvez possa haver, sim, alegria na tranquilidade. Deve haver certo alívio quando se
sente praticamente obrigada a viver mais lentamente. Mais do que não ter mais
forças para correr, não se tem mais pressa. Isso pode ser libertador depois de
anos de labuta, de urgências, de prazeres e desprazeres intensos.
Então, antes de me permitir ter pena
da vida que eu quase julguei "vazia de sentido" dessas senhoras,
tento imaginar a preguiça que elas devem sentir só de olhar para mim correndo
para me aprontar, tentando secar os cabelos, ao mesmo tempo que contorço o
pescoço segurando o celular com os ombros para dar algumas ligações urgentes, e
saindo ofegante, acelerada, sem mal ter tempo de dizer "até logo",
para não perder a hora de chegar no escritório. Saí da academia
satisfeita em pensar que estou me preparando para ser uma velhinha feliz.
Porque cada fase deve ser vivida em sua inteireza.
Fonte: Brasil Post
Nenhum comentário:
Postar um comentário