No
final do século, a esperança de vida é de chegar aos 100 anos.
"No
dia seguinte ninguém morreu". Nem no outro, nem no outro, nem no outro. Na
obra Intermitências da Morte, José Saramago imaginou uma sociedade onde todos
viveriam para sempre. Apesar do desenvolvimento da medicina e dos avanços
científicos, a vida eterna continua a ser pura ficção. Mas a verdade é que o
aumento ininterrupto da longevidade é bem real. Há décadas que a esperança de
vida em relação a taxa de natalidade cresce: mais três meses por cada ano que
passa. No final do século, chegará aos 100 anos. A barreira do centenário, que
a maioria acredita não vir a ultrapassar, vai se tornar vulgar. E depois? Qual
é o limite?
De acordo com as Nações Unidas, na
maioria dos países, independentemente da sua localização geográfica ou estádio
de desenvolvimento, a taxa de crescimento dos chamados muito idosos, a partir
dos 80 anos, vai subir mais rapidamente do que a de segmentos mais jovens da
população. Apesar da proporção de pessoas que vivem até aos 100 ser ainda muito
pequena, o número é crescente. No ano 2000, havia cerca de 180 mil centenários
em todo o mundo. Em 2050, estima-se que venham a ser 3,2 milhões.
Em Portugal, o fenômeno também não
passa despercebido. Há 100 anos havia no país apenas 395 centenários. No ano
passado, eram 3393, quase dez vezes mais. E o ritmo de crescimento acelerou nos
últimos anos. Desde 2011, o número de portugueses com mais de um século de vida
tem aumentado a um ritmo de cerca de 30% ao ano. “Se não houver nenhum fator
que interfira com a esperança de vida, como guerras ou grandes epidemias, pouco
tempo ela chegará aos 100 anos”, diz José Rueff, diretor do Centro de
Investigação em Genética Molecular Humana da Universidade Nova de Lisboa.
Esse já é, aliás, o
horizonte de vida de grande parte das crianças nascidas agora. Segundo um
estudo do Instituto de Estatísticas do Reino Unido, um em cada três bebês
nascidos em 2013 viverá, pelo menos, até 2113.
Biologia favorece as mulheres
Qual será, afinal, a próxima fronteira?
150, 200 anos? Pode parecer delírio, mas Aubrey de Grey, um conceituado
investigador britânico na área da gerontologia, garante mesmo que a primeira
pessoa a chegar aos 150 já nasceu. O cientista acredita que nas próximas
décadas os médicos terão todas as armas de que precisam para "curar"
o envelhecimento. E quando conseguiremos? Ninguém sabe ainda determinar qual
será o limite de viabilidade biológica do organismo, "pela simples razão
que os próprios mecanismos de envelhecimento são ainda relativamente
obscuros" – diz Grey.
O limite máximo da duração da vida não
mudou ao longo dos séculos. Sempre houve gente a viver muito tempo. O que
aumentou foi a percentagem de pessoas a atingirem a idade avançada e,
consequentemente, a esperança média de vida.
Por razões fisiológicas e por hábitos
de vida, as mulheres terão sempre um horizonte maior. "Os homens tendem a
ter doenças terminais mais cedo, comportamentos de risco mais frequentes em idades
mais precoces, uma alimentação mais desequilibrada e mais dificuldade em lidar
com o estresse porque internalizam mais os problemas", explica o biólogo
Miguel Remondes.
Outra explicação recentemente
investigada, e ainda controversa, prende-se com o fato das mulheres terem duas
cópias do cromossomo X e os homens apenas um. Isso faz com que os defeitos já
identificados em genes desse mesmo cromossomo possam ser compensados pela
mulher, em que quase sempre uma das cópias é boa, mas não no homem, adianta
Remondes.
Adolescentes até aos 40?
Em 1914, Josefa Sousa era a mulher mais
idosa de Portugal. Tinha 118 anos, morava perto de Amarante e permanecia
completamente lúcida. José Henriques de Sousa, pai de 29 filhos, era o homem
mais idoso. Aos 104 anos, o lavrador do Ribatejo ainda dirigia os negócios da
família e só lamentava não ser mais novo para poder ir para a guerra que então
acabava de eclodir na Europa. Há precisamente 100 anos era esta a vida dos
velhos mais velhos do país.
E como será a vida no tempo em que
chegar à idade de Josefa ou José deixar de ser exceção e passar a ser a regra?
Toda a sociedade e os ciclos de vida terão de ser repensados, diz o
investigador Pedro Granja: "Se vivermos todos até aos 100, não fará
sentido termos de escolher um curso aos 18 e deixarmos de estudar aos 22
ou 23. Teremos de trabalhar até muito mais tarde e as diferentes fases da vida
serão necessariamente retardadas. A infância, o tempo de juventude, a idade
adulta e a velhice conhecerão novas fronteiras, como aliás já começa a
acontecer".
Ainda faltam, porém, várias décadas até
que a esperança média de vida atinja os 100 anos. Para já, mais importante do
que somar anos à vida é acrescentar qualidade de vida aos que nos esperam.
Interessa mais medir os anos de vida saudáveis do que simplesmente os anos que
ainda devemos ter. São duas coisas completamente diferentes. Aos 65 anos, uma
mulher tem, em média, mais 20 anos de vida, mas apenas mais 6,6 de vida
saudável. E os homens menos.
Fonte: Expresso Sapo
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