Maria das Mercês mora em Curitiba e
tem o neto de 10 anos como filho.
A oportunidade em poder dar orgulho ao neto foi um dos motivos que
fizeram a aposentada Maria das Mercês Silva a superar o preconceito e iniciar
os estudos aos 65 anos. A motivação partiu do próprio garoto, de 10 anos, ao
perceber o sofrimento da avó que passou parte da vida sem saber ler.
A avó conseguiu a guarda do menino Felipe Feitosa dos Santos porque a
mãe não tinha condições de criá-lo. Hoje, aos 66 anos, Maria das Mercês
comemora ter aprendido a escrever o nome, ter sido aprovada para o segundo ano
do Ensino Fundamental e destaca que encara o mundo de outra forma agora.
"Ela é minha avó, mas eu considero como mãe. Ela sempre passava
pelos lugares e não conseguia ler. Aí tinham vezes em que ela pegava o ônibus e
ficava perdida. Agora ela consegue ler bastante coisa e eu que ajudo nas lições
que a professora passa", conta Felipe.
"Sempre tive muita vergonha de ser analfabeta e, muitas vezes, nem
contava para as pessoas. Também porque eu achava que já estava velha para isso.
Mas eu comecei a me sentir mal mesmo com essa situação quando o Felipe chegava
da escola com as lições de casa e eu não podia ajudá-lo. Eu me acabava de
chorar por causa disso, mas nunca na frente dele", conta Mercês.
Segundo ela, a motivação começou depois que Felipe flagrou uma das
cenas de choro em um canto da pequena casa onde moram no bairro Uberaba, em Curitiba.
"Aí eu desabafei com ele, tadinho. Expliquei que dependia das
pessoas para todas as coisas, até mesmo para pegar um dinheiro no banco porque
nem os números eu conhecida", disse Maria. Para garantir que a matrícula
fosse feita e que a avó realmente pudesse estudar, o garoto a acompanhou até a
escola. Desde então, como não pode ficar sozinho em casa no período da noite,
Felipe acompanha a avó também na sala de aula durante todos os dias da semana.
O trajeto, conta dona Mercês, é feito de bicicleta. "Não tenho
outro jeito. Não tenho ninguém pra cuidar dele. Então, eu o coloco na garupa da
minha bicicleta, coloco um capa porque ele não pode tomar chuva porque tem
bronquite, e nós vamos para a escola. Ele, pela segunda vez, porque estuda de
manhã", explica a avó.
"Tenho muita dó de ter que levar ele junto. No primeiro ano, ele
dormia sentadinho lá no cantinho da sala, era de partir o coração. Eu sofria vendo
o sofrimento dele", lembra a avó, emocionada. "Agora, a prefeitura
arrumou uma salinha na escola para que os filhos possam brincar enquanto os
pais estudam. O Felipe adora e eu fico bem tranquila", diz.
Mas o sacrifício diário compensa, garante ela. "Graças ao meu
netinho, hoje eu não dependo mais de ninguém. Faço tudo sozinha e, com a ajuda
dele, nós ainda vamos conquistar muita coisa.", destaca a avó.
O preconceito na vida dela começou cedo, quando o pai proibiu as
mulheres da família de estudar. Apenas os homens puderam ter acesso ao ensino.
"Meu pai achava que mulher não podia sair de casa e que tinha que ficar só
na cozinha", declara Maria das Mercês.
Feliz por ter acompanhado o primeiro ano de aula da Dona Maria Mercês,
a professora Marli Pimentel da Silva conta que a idosa teve um bom desempenho
logo no primeiro dia de aula.
"Ela sempre foi uma aluna que cobrou bastante dos professores.
Sempre foi nítido a força de vontade dela em querer aprender. Ou seja, ela
sempre fez o papel de cidadã questionadora e sempre quis uma escola de
qualidade. Nota dez pra ela.", destaca Marli, que atualmente atua como
pedagoga.
Dona Maria das Mercês contou que o maior dos sonhos ela já conquistou,
que era o de aprender a ler. Ela também disse que quer ir muito além nos
estudos e escrever um livro sobre a história de vida dela. Mas o desejo mais
próximo de se realizar é mais uma necessidade do que um sonho.
Fonte: G1 | Globo.com
Nenhum comentário:
Postar um comentário