“O Despertar da Força”, edição mais recente da série “Star Wars”, evidencia algumas questões relativas ao envelhecimento, motivadas pelo avanço da narrativa em 30 anos.
O tempo tornou-se assunto até mesmo fora do roteiro, após o reaparecimento da atriz Carrie Fisher (a Princesa Leia), que completará 60 anos em outubro. “Parem de discutir se envelheci bem ou não”, desabafou ela diante de tantos comentários sobre sua aparência. Na tela, o ressurgimento de um Harrison Ford, naturalmente mais velho, suscita um comentário do interlocutor-personagem: “Como você envelheceu?”. E ele devolve: “Com você ocorreu coisa bem pior”.
É assim que “Star Wars”, ao avançar de três décadas, toca na questão da representação da pessoa idosa. Aos poucos, o roteiro revela como aqueles que têm a ‘young-power’ precisam de uma ajudazinha dos ‘já-era’. Mesmo o velho R2-D2 é ressuscitado, embora a estrela seja o inovador BB-8.
Aliás, BB-8, apesar de um modelo de robô de brinquedo, tem a tarefa de oferecer companhia por um longo tempo – o modelo do segmento da robótica mais desenvolvido no momento para cuidar ou acompanhar idosos. Neste ponto, o filme nos remete a uma questão: como será o idoso do futuro? Tal reflexão é fundamental para o nosso bem-estar no futuro.
No filme, os “já-era”, mesmo bem idosos, guardam a sabedoria. A personagem MazKanata comenta: “Eu vivi o suficiente para ver os mesmos olhos em pessoas diferentes. Eu vejo os seus olhos. Eu conheço eles”. E, se é assim, como cuidaremos dessa população envelhecida? Como desfrutaremos social e economicamente de suas potências e experiências?
Os alertas da ficção científica deveriam servir para buscarmos soluções para o setor de saúde e encarar o envelhecimento da população. Certa vez, ouvi do Dr. Francisco Balestrin, presidente da Associação Nacional dos Hospitais Privados (Anahp) que nossos hospitais estavam “perdidos”, com o número de pacientes acima dos 90 anos crescendo em toda a rede. No setor público, a crise nacional na Saúde não é uma novidade.
Com a abertura do mercado para o capital estrangeiro, uma revolução no setor hospitalar privado é prevista para 2016. O problema é que a maioria da população depende exclusivamente do SUS, e essa realidade empresta um papel fundamental ao Estado.
Existem muitas pesquisas acadêmicas relacionadas a longevidade no país e no mundo que podem auxiliar nessa fase. Uma tese interessante foi publicada por Christiane Louis ditGuerin, da EcoledesHautesEtudes, em Santé Publique, de Paris, sob o título “O engajamento de um hospital universitário geriátrico na Economia da Longevidade: desafios e perspectivas”.
O trabalho é um bom guia para os hospitais brasileiros, públicos e privados, que estão em fase dessa transformação com a entrada de investidores estrangeiros. É preciso dizer que a França, ou toda a Europa, está na mesma encruzilhada brasileira. No entanto, alguns políticos mais comprometidos de lá empreendem um esforço com resultados já palpáveis. Por meio da estratégia da economia da longevidade, financia-se, subsidia-se e estimula-se a pesquisa e o desenvolvimento (P&D).
Guerin mostra o empenho do Hospital Charles Foix, um dos maiores da Ile-de-France, público e deficitário (11 milhões de euros em 2014), em adotar medidas, produtos e serviços voltados ao bom envelhecimento e à autonomia do idoso. O hospital deixou assim de ser “figurante”, isto é, um consumidor passivo, e assumiu a condição de “ator”, experimentando uma realidade até então limitada à ficção científica. A gerontecnologia empregada no experimento está os pacientes com Alzheimer, que testaram computadores e tablets adaptados para idosos com perda de autonomia.
No Brasil, diriam alguns, nossos hospitais também têm institutos de pesquisa. No entanto, no setor público, o sucateamento é notório. No setor privado, ainda estamos restritos a projetos boutique – para poucos num país de 200 milhões de brasileiros. A longevidade, porém, é cada vez mais democrática, a despeito da desigualdade social, e é necessário que o setor de Saúde perceba com urgência que é o protagonista na construção de um futuro digno e ao alcance de todos.
*Jorge Félix é especialista em economia da longevidade, jornalista, professor e mestre em Economia Política pela PUC-SP. É autor do livro “Viver Muito” (Ed. Leya).
-FONTE: BRASILEIROS